Tudo bem que as nossas emissoras fazem qualquer coisa por alguns pontos no Ibope. Até manipular a fé. Só que pegou mal querer transformar o pontífice – apesar de ele já sê-lo de nascença – numa espécie de um “brother” alemão. (Uma dessas celebridades concebidas para matar a insaciável fome dos brasileiros por ídolos e que funciona mais ou menos como um miojo nas madrugadas: até que enche a barriga, mas no fim não deixa nenhum retrogosto de saudade).
Que a Rede Globo pauta o nosso País a ponto de ele andar num ritmo muito parecido com um Vale a Pena Ver de Novo, não é novidade para ninguém. Mas daí a querer fazer da visita do papa Bento XVI e da beatificação do nosso primeiro santo uma atração do tipo “Domingão do Frei Galvão” foi um pouco demais.
Nada contra a Globo. Aliás, ela produz coisas interessantíssimas e tem nos seus quadros artistas do mais alto nível. Mas, às vezes, ela apela. Como agora, quando tentou transformar o papa Bento numa nova versão de João Paulo II, esquecendo-se de um detalhe bem simples: ainda não conseguiram inventar uma máquina capaz de produzir carisma. Além do mais, cada um tem seu estilo, suas virtudes e seus defeitos e não vai ser usando, como diz Caetano Veloso, as mais avançadas das mais avançadas das tecnologias, que alguém vai conseguir mudar da água pra o vinho. Nem com o anel de Pedro no dedo.
Ainda bem que carisma não se aprende na escola nem é vendido nas prateleiras dos supermercados. Ele é um desses dons de nascença que só poucos têm a sorte de possuir e de saber usar na hora certa. Que o diga o escritor, poeta e dramaturgo Ariano Suassuna, um craque nesse assunto. Em suas aulas-espetáculo por este Brasil, ele mantém o público ali, ó, como um pião feito de goiabeira girando sua ponteira na palma de sua mão.
Grande Suassuna, cujo aniversário agora em junho poderia ser comemorado bem ao seu estilo, numa quermesse de uma cidadezinha do interior, com a voz do locutor de um bingo o anunciando como “a verdadeira Pedra do Reino, a boa, aquela que você estava esperando: de rombo...
80!”. E na seqüência, algum pobre desdentado correria no meio da multidão gritando “bati! bati!”, indo ao encontro do prêmio: uma linda Rural vermelha e branca, já devidamente equipada com uma vistosa morena encostada no capô, lhe sorrindo um riso interesseiro de “quem sabe se logo mais à noite não rola uma voltinha, com fortes possibilidades de algo mais?”. Mais Ariano, impossível.
Em 2002, quando ele ganhou a primeira versão do provavelmente extinto (o que é isso, companheiros?) Prêmio Jorge Amado de Literatura, o jornalista e poeta Florisvaldo Mattos escreveu um artigo que falava da “adequação cultural e geográfica da escolha”, que certamente iria estreitar os laços entre a Bahia e Pernambuco, onde o escritor paraibano reside desde 1942. Não que Suassuna não fosse admirador de alguns expoentes baianos, pelo contrário.
Mas a preocupação de Florisvaldo se justificava, já que sempre houve uma certa rusguinha entre os dois Estados, principalmente nas áreas culturais – a propósito, r iquíssimas.
Mas, agora, cinco anos depois de embolsar o prêmio e voltar pra sua cadeira de balanço no tranqüilo bairro de Casa Forte, em Recife, uma bela iniciativa do deputado estadual e pauloafonsino Paulo Rangel fez com que o companheiro de dona Zélia Suassuna retornasse a Salvador, para, oficialmente, virar conterrâneo do saudoso e eterno namorado de outra Zélia, a Gattai. E não poderia haver um dia mais peculiar do que o 10 de maio (imprensado entre o 9 da chegada do papa e o 11 da beatificação do frei) para o “pai” de Chicó, João Grilo, e do padre e do bispo que batizaram uma cachorra em troca de alguns mil réis, virar patrício do “pai” de Vadinho, Quincas Berro d’Água, Tieta e dezenas de geniais personagens.
E eu, daqui da beira do rio, imagino as caras de gozação de Glauber, Gregório de Mattos, Capiba, Vinícius e tantos outros (que devem ser íntimos do chefão, pois o imagino bem diferente do que quer fazer crer o seu atual representante), com essa providencial mexida que Jorge Amado deu no calendário divino para esse batismo cair bem nesta data.
Vá se acostumando, seu Suassuna, que baianos são assim mesmo. Se fazem de mortos só para continuar aprontando das suas. Principalmente com conterrâneos do seu calibre. Axé.
Por Jânio Ferreira Soares, Consultor da Secretaria de Cultura de Glória-BA - A Tarde, 15.05.2007
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